Como a Pfizer lucra com o apartheid vacinal

Corporação relata novo trimestre de receitas bilionárias, enquanto se recusa a permitir que laboratórios do Sul produzam sua vacina – e cobra até 350 dólares por tratamento contra a covid. Ativistas protestam e OMS amplia apelo pela quebra das patentes

por Alessandra Monterastelli


O lucro da Pfizer aumentou 77% se comparado aos primeiros meses de 2021. Dos 25,7 bilhões de dólares, 13,2 bilhões são da venda de vacinas criadas em parceria com o laboratório alemão BioNTech e outros 1,5 bilhões estão relacionados a Paxlovid, novo medicamento que reduz em até 89% o risco de internações e óbitos de pacientes infectados com covid. As receitas da farmacêutica dobraram em 2021, atingindo US$ 81,3 bilhões e o esperado para 2022 são vendas recordes de US$ 98 bilhões a 102 bilhões. Desse valor, espera-se que metade virá de produtos relacionados à covid. 

“Durante a pandemia, a Pfizer se recusou a compartilhar sua tecnologia. Em vez disso, manteve o monopólio sobre sua vacina e tratamento, estrangulando o fornecimento global”, afirmou Tim Bierley, ativista do Global Justice Now ao jornal The Guardian. A organização britânica pelo desenvolvimento global foi uma das presentes em protestos realizados no final de março em Londres, Reino Unido, em frente a sede da Pfizer no país. A manifestação foi uma das várias que ocorreram em países europeus pela quebra de patentes das vacinas para a covid-19. 

Em maio de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um relatório em que recomendava a quebra de patentes das vacinas, através da suspensão do direito de propriedade intelectual em um prazo de três meses. O diretor da organização, Tedros Adhanon, afirmou que a pandemia estava sendo prolongada por uma “escandalosa desigualdade” diante do acúmulo de doses de imunizantes por países ricos enquanto países pobres não conseguiam avançar em sua meta de vacinação em massa. Para reforçar os argumentos pela quebra das patentes, os movimentos contra o apartheid vacinal frisam: grande parte da pesquisa que levou aos imunizantes foi financiada por recursos públicos. A própria pesquisa da vacina Pfizer/BioNTech recebeu, só em setembro de 2020, 350 milhões de euros do governo alemão, segundo indica o site do laboratório. 

A comercialização do Paxlovid é outro caso de lucro baseado em escassez programada. O medicamento da Pfizer é altamente eficaz para tratar casos moderados e graves de covid. Mas a OMS reiterou sua preocupação com “a falta de transparência por parte da empresa originadora” que dificulta que “as organizações de saúde pública obtenham uma imagem precisa da disponibilidade do medicamento, quais países estão envolvidos em acordos bilaterais e quanto está sendo pago”. Para entender melhor o que isso significa, basta olhar para os números: cada tratamento é vendido pela Pfizer por algo entre US$ 350 (nos EUA) e US$ 250 (no Brasil). Mas uma pesquisa da Universidade de Harvard demonstrou que o custo de produção de genéricos poderia ser de US$ 64,91 – entre quatro e seis vezes menor. A Pfizer chegou a estabelecer um acordo de licenciamento com o Medicines Patent Pool, mas os Médicos sem Fronteiras alertaram que tal compromisso limita o número de países que podem se beneficiar da produção genérica do medicamento.

No ano passado, a OMS estabeleceu a meta de atingir 70% da população mundial totalmente vacinada contra a covid-19 até junho de 2022, cenário que aparece cada vez mais distante devido a “perda de impulso”, segundo especialistas, das doações de imunizantes por parte dos laboratórios e dos países mais desenvolvidos. Segundo o Our World in Data da Universidade Oxford, muitos países ainda não chegaram a vacinar 20% de sua população, enquanto dois terços dos países mais ricos do mundo atingiram 70% de imunização populacional. 

Fonte: OUTRA SAÚDE

Hanseníase (lepra) e mal perfurante plantar

A Organização Mundial da Saúde (OMS) através de seu Boletim Epidemiológico, informou em 2017 que 143 países e territórios informaram casos de hanseníase no ano de 2016.

Dos 214.783 casos novos informados, “o Brasil ocupou a segunda posição com 25.218 (11,7%)”; a Índia ocupa a primeira posição com 135.485 novos casos (63%). De 2014 a 2016 foram diagnosticados 140.578 casos novos de hanseníase no Brasil. Destes, 77.544 casos novos ocorreram no sexo masculino, ou seja, 55,2% do total. O maior número foi identificado nos indivíduos entre 50 a 59 anos. Tristemente, 92,6% dos casos notificados nas Américas ocorreram no Brasil.

Diz o Boletim Epidemiológico do Brasil de Janeiro 2020: A hanseníase é uma doença infecciosa, transmissível e
de caráter crônico, que ainda persiste como problema
de saúde pública no Brasil
. Seu agente etiológico é o
Mycobacterium leprae, um bacilo que afeta principalmente
os nervos periféricos, olhos e pele. A doença atinge pessoas
de qualquer sexo ou faixa etária, podendo apresentar
evolução lenta e progressiva e, quando não tratada, pode
causar deformidades e incapacidades físicas, muitas
vezes irreversíveis (BRASIL, 2016, 2017, 2019)
.

Tendo em vista as deficiências de registro e estatística dos sistemas de saúde no Brasil, o número de casos “não informados” deve ser bem elevado, mesmo fazendo parte da Lista Nacional de Notificação Compulsória. Portanto, corremos o risco de atingir o primeiro lugar, principalmente agora que os gastos com a saúde estão “congelados” pela Emenda Constitucional 95 de 15/12/2016.

Neste mesmo ano, 2016, ocorreram 5.341 internações notificadas em decorrência das complicações da doença, “que corresponde a um custo evitável aos fundos de saúde”.

Entre as complicações da hanseníase, as neurológicas ocupam especial destaque. E a perda da sensibilidade plantar – semelhante ao que acontece com diabéticos – resulta na formação de calosidades que evoluem para ulcerações crônicas com risco de amputações. Ao não sentir dor o portador desse tipo de neuropatia não se dá conta dos microtraumas repetitivos que afetam os pés. As deformidades estruturais vão criando pontos de pressão que entram em conflito com calçados inapropriados e até mesmo com o simples ato de caminhar. Basicamente o mesmo fenômeno que pode afetar os pés de pacientes diabéticos.

A dádiva da dor – de Philip Yancey e Paul Brand

Nesse contexto conseguimos entender o que o Dr. Paul Wilson Brand quis dizer quando afirmou que “A dor é o maior presente de Deus para a humanidade” em seu livro A dádiva da dor. Sem a dor o pé neuropático perde sua maior proteção1. Percebendo a relação entre o trauma repetitivo pela pressão exercida pelo peso corporal sobre o pé que perdeu a sensibilidade protetora, o Dr. Brand e cols. foi um dos pioneiros no uso de dispositivos de contato total (TCC – Total Contact Cast).

Relato de caso

Eliminar ou reduzir a pressão sobre a úlcera é a condição indispensável para o sucesso do tratamento nesses casos.

A eliminação da carga ou pressão (offloading) pode ser obtida de diferentes maneiras: repouso absoluto no leito, uso de muletas, cadeiras de rodas, andadores, dispositivos de contato total nas suas mais diferentes apresentações, calçados e palmilhas customizadas, etc. Na realidade, para além do desafio de fechar a ferida, está o de criar as condições para que ela não recidive. Leia mais sobre isso AQUI e AQUI


Mostramos a seguir um caso de mal perfurante plantar neuropático em paciente com passado e sequelas de hanseníase.

Hansen-mal perfurante

Homem com 77 anos, NÃO diabético, portador de polineuropatia sensitivo-motora secundário a hanseníase.

Além da ferida mostrada na figura 1, base do hálux esquerdo, evoluia também com lesões em outros pontos de pressão exercidos por calçados inapropriados.

Após cuidadoso desbridamento da hiperqueratose iniciamos curativo com cobertura de hidrocoloide para troca a cada três dias e sandália de Baruk até a confecção da palmilha customizada.

Aspecto da ferida após uso da palmilha customizada para a topografia da ferida.
Palmilha customizada a partir de sandália havaiana e “implantada” em calçado do paciente., onde se percebe o exato local do alívio (offload) do ponto de pressão
Ferida cicatrizada em menos de um mês de uso da palmilha.

Para quem deseja conhecer mais detalhes do procedimento sugiro a leitura de:

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 1

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 2

Mais leituras sobre o assunto:
  1. Trautman JR, Kirchheimer WF, Prabhakaran K, Hastings RC, Shannon EJ, Jacobson RR, Brand PW; Acta Leprol. 1981 Jul-Sep; (84):1-29
  2. The effect of callus removal on dynamic plantar foot pressures in diabetic patients.Young MJ, Cavanagh PR, Thomas G, Johnson MM, Murray H, Boulton AJ; Diabet Med. 1992 Jan-Feb; 9(1):55-7.
  3. Use of pressure offloading devices in diabetic foot ulcers: do we practice what we preach? Wu SC, Jensen JL, Weber AK, Robinson DE, Armstrong DG; Diabetes Care. 2008 Nov; 31(11):2118-9.
  4. Off-loading the diabetic foot for ulcer prevention and healing.Cavanagh PR, Bus SA; Plast Reconstr Surg. 2011 Jan; 127 Suppl 1():248S-256S.