Mau odor em feridas crônicas

Regra geral, o mau odor ou mau cheiro proveniente das feridas crônicas decorre dos tecidos necrosados ou da invasão bacteriana. Trata-se de uma situação degradante para a qualidade de vida do paciente e para a sua relação familiar e social e que precisa ser abordada com muita objetividade pelos profissionais de saúde.

Precisamos estar atentos para o fato de que algumas coberturas – especialmente os hidrocolóides – podem exalar um cheiro desagradável que provém da sua interação química com o exsudato e pode gerar apreensão do paciente. Nessa perspectiva, ao usar coberturas de hidrocoloide convém alertar o paciente.

Avaliação do odor

Além de se levar em consideração a percepção do paciente e das pessoas do seu relacionamento, o odor deve ser avaliado em dois momentos: antes mesmo da retirada do curativo secundário e eventuais bandagens, e também após a retirada dos curativos, porém antes de sua higienização ou limpeza.

Não há uma escala reconhecidamente estabelecida para quantificar o mau odor de uma ferida. Entretanto há décadas muitas publicações e serviços admitem empiricamente o seguinte escalonamento:

Intensidade Característica
Muito forteodor intolerável (mesmo antes de manipular o curativo)
Moderadoo odor é percebido, porém tolerável
Mínimoodor quase imperceptível (mesmo estando próximo do paciente)
Ausenteo odor não é percebido em nenhuma circunstância
Escala empírica aceita pelos estudiosos do assunto

Devemos considerar que até o momento não temos conhecimento de nenhum dispositivo de medição dos odores, muito embora já existem tecnologias capazes de identificar os microrganismos com base no odor dos gases que produzem.

Causa do mau odor

Admite-se que esses odores indesejáveis são provenientes de duas fontes:

  • dos processos metabólicos das bactérias anaeróbicas e/ou
  • da degradação dos tecidos desvitalizados

Duas moléculas que se formam a partir da decomposição das proteínas são a CADAVERINA e a PUTRECINA. Ambas são responsáveis pelos odores emanados de determinados fluidos corporais dos organismos vivos e de cadáveres em processo de putrefação. Elas estão presentes nos tecidos desvitalizados das feridas crônicas.

Controle do mau odor

1. TRATAR A INFECÇÃO SUBJACENTE e DIMINUIR A CARGA BACTERIANA - A invasão das feridas crônicas por bactérias anaeróbicas é responsável pela maioria das situações em que o mau odor se manifesta. A presença de cepas bacterianas anaeróbicas foram evidenciadas em cerca de 70% das feridas. Em trabalho publicado em 2008 o pesquisador Scot E. Dowd revela que muitas feridas crônicas são colonizadas por bactérias anaeróbicas que habitam também o trato gastrointestinal e são produtoras de gases de forte odor.

2. DESBRIDAMENTO DOS TECIDOS DESVITALISADOS - Na primeira abordagem de ferida com intenso mau odor a eliminação instrumental dos tecidos necróticos e inviáveis é obrigatória. Desalojar e expor cavidades e lojas subcutâneas infectadas é fundamental para o combate aos odores desagradáveis de uma ferida - especialmente nos pés diabéticos. A cada troca de curativo, o desbridamento pode se fazer necessário. Chamamos a esta conduta de DESBRIDAMENTO SEQUENCIAL. A presença de tecidos desvitalizados estimula a proliferação de microrganismos e a formação do biofilme.

No controle de mal odor associado a infecção várias abordagens são sugeridas. vejamos:

  • Aplicação tópica de Metronidazol. Não dispomos desse produto no Brasil com indicação para as feridas crônicas. Nas apresentações tópicas são indicados para tricomoníase, giardíase, amebíase, rosácea, etc. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) – preconiza o uso de gel de Metronidazol a 0,8% em gaze embebida com vaselina sobre o leito das feridas tumorais, dando conta de importante redução e até eliminação do mau odor. Sabemos que o Metronidazol age fortemente sobre bactérias anaeróbicas e seu uso tópico não produz os efeitos colaterais do uso sistêmico.
  • O creme de Sulfadiazina de Prata tem sido uma alternativa publicada por alguns autores.
  • Cadexómero (grânulos de amido) com iodo (Iodosorb). Apresenta muito bom resultado no combate à infecção, porém com custo significativo.
  • Nossa prática mais frequente se dá com as cobertura de carvão ativado com prata. A possibilidade de seu uso sob terapia compressiva se adequa convenientemente às características e protocolos de nosso serviço.

Evidentemente todos os curativos antimicrobianos podem estar indicados na abordagem do problema dos odores desagradáveis exalados por algumas feridas. As coberturas que associam a capacidade de absorção com ação antibacteriana parecem ser uma escolha bastante razoável. Aí se incluem os alginatos, hidrofibras, espumas e outros mais.

Entretanto o profissional deve estar muito atendo para a eliminação obsessiva de tecidos desvitalizados. O desbridamento, em qualquer de suas modalidades, deve estar sempre no radar dos que se dedicam a esses pacientes.


  • Fromantin I, Seyer D, Watson S et al (2013) Bacterial floras and biofilms of malignant wounds associated with breast cancers. J Clin Microbiol 51(10):3368-3373
  • Survey of bacterial diversity in chronic wounds using pyrosequencing, DGGE, and full ribosome shotgun sequencing -SE Dowd, Y Sun, PR Secor, DD Rhoads, BM Wolcott, GA James; BMC microbiology 8 (1), 1-15
  • Filipiak W, Sponring A, Baur MM et al (2012) Molecular analysis of volatile metabolites released from Staphylococcus aureus and Pseudomonas aeruginosa. BMC Microbiology 12:113–29

Adaptic

Trata-se de uma cobertura primária – curativo primário – não aderente, confeccionada com o intuito de proteger o leito das feridas. Há vários outros produtos com esse mesmo propósito.

Essa cobertura procura contemplar a ideia de que, não aderindo ao leito, temos:

  • Retirada não dolorosa por ocasião das trocas
  • Facilidade na remoção minimizando traumas ao leito
  • Proteção do leito contra desbridamento não seletivo
Adaptic
Apresentação comercial do Adaptic 7,6 x 7,6 (o menor tamanho)

O ADAPTICTM se apresenta no formato de malha fabricada desde o acetato de celulose e impregnada com uma emulsão de petrolato (que é um derivado do petróleo). A título de curiosidade, a vaselina é comercializada a partir de alguns processamentos do petrolato.

Não cabe aqui a enorme discussão em torno do uso do petrolato em cosmetologia. A temática envolvida nesta celeuma não faz sentido, nem se aplica, no que diz respeito ao seu uso no tratamento das feridas crônicas.

Esse tipo de cobertura primária, utilizada de forma apropriada, apresenta outras vantagens importantes no tratamento das feridas crônicas, entre elas:

Pode ser cortada para se adequar ao tamanho e ao formato das feridas
Facilidade de acomodação em qualquer topografia da superfície corporal
Permite a passagem do exsudato que será conduzido para o curativo absortivo secundário
Não impede a difusão de elementos químicos contidos nos curativos secundários para o leito das feridas (tais como produtos antimicrobianos)
Reduz a possibilidade de aderência do curativo secundário
Pode ser utilizado sob terapia compressiva (tipo bandagem de UNNA)
  • Imagem 1 e 2 – Aplicação de IodosorbTM após a colocação do Adaptic sobre as feridas; as malhas da cobertura permitem a “entrega” desse antimicrobiano para o leito da ferida.
  • Imagem 3 – Uma cobertura secundária de carvão ativado com prata (ActisorbTM) foi aplicada sobre o Adaptic em uma úlcera venosa com moderado exsudato e mau cheiro.
  • Nos dois casos acima foi aplicada bandagem compressiva de UNNA sobre essas coberturas.
  • Na figura 4 mostramos a facilidade com que essa cobertura se amolda ao formato da topografia, neste caso coto de amputação transmetatarseana.

Iodosorb creme

Iodosorb creme

Durante muitos anos – eu diria, décadas – são usados produtos à base de Iodo para limpeza, assepsia e antissepsia da pele.
Nos centros cirúrgicos o álcool iodado e o Povidine – nas versões alcoólica e degermante – ainda fazem parte da rotina de preparo das mãos da equipe cirúrgica e do campo operatório em muitos centros cirúrgicos. É um problema quando pacientes informam alergia ao Iodo em serviços que não dispõem de outras alternativas.

Nesse tempo de PANDEMIA que estamos vivendo, o Iodo adquire “estatus” de relevância como antisséptico oral contra a SARS-CoV-2 (Síndrome Respiratória Aguda Severa Coronavirus 2). Por enquanto a possibilidade de bochechos com iodo-povidona para inativação do COVID-2 ainda está na fase “in vitro”. Quem deseja satisfazer à curiosidade pode ler AQUI.
Pois bem, o Iodo para uso tópico vem se impondo como alternativa contra a infecção no tratamento das feridas crônicas. Concentrações apropriadas contornam o velho problema da toxicidade celular dos produtos convencionais baseados em Iodo.

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