Mel em feridas

Com certa frequência somos questionados sobre a utilização do mel de abelha no tratamento das feridas.

No livro do Dr. Guido Majno (imagem ao lado), que dedicou muitos anos de sua vida estudando os tratamentos usados na antiguidade, ele nos informa que as propriedades do mel são conhecidas há séculos e foram utilizadas para o tratamento das mais variadas enfermidades, aí incluídas as feridas crônicas. Insuportavelmente caro, o livro pode ser adquirido neste endereço digital.

Na verdade a utilização medicinal do mel tem uma história de muitos milénios. É algo realmente muito antigo.. Uma simples consulta na internet nos fornecerá dados dando conta do uso do mel para tratamento de problemas digestivos, infecções e feridas crônicas desde o ano 400 aC.

Muito embora essas propriedades medicinais do mel remontem à antiguidade, apenas mais recentemente ressurgiu o interesse pelo seu uso no tratamento das feridas.

As propriedades antimicrobianas do mel estão documentadas na literatura médica desde o século 19, entretanto o seu uso mais intensivo nas feridas conta com publicações mais recentes, a partir do início do século XX.

Ocorre que, com o advento dos antibióticos, particularmente a penicilina (Alexander Fleming em 1928), o interesse pela utilização do mel no combate às infecções diminuiu, ficando o seu uso no território dos tratamentos ditos populares, sendo frequentemente substituído pelo uso do açúcar.
Entretanto, na medida em que o uso abusivo e generalizado dos antibióticos evoluiu para o caos da resistência bacteriana que não sabemos aonde vai nos levar, ressurgiu no meio científico um renovado interesse pelo uso do mel no tratamento das feridas crônicas.
Se, por um lado, muitos trabalhos publicados mostram resultados positivos do uso do mel nas diferentes fases da cicatrização, por outro, há ainda muita confusão sobre que tipo de mel tem essa capacidade de otimizar a evolução do processo cicatricial. Dependendo da variedade da flor de onde as abelhas colhem o néctar, existem em torno de 300 tipos de mel. Imagine!

Dentre todos eles, o mel de Manuka vem despertando especial interesse nas pesquisas. Trata-se de um mel que se origina da polinização das flores de Manuka (Leptospermun), árvore nativa da Nova Zelândia e Austrália. As folhas dessa árvore são usadas pelos povos indígenas da Nova Zelândia há séculos.
Os estudos publicados referem que este mel tem ação antibacteriana diferenciada de outros tipos de mel, agindo sobre a formação dos biofilmes que deterioram a cicatrização.

Uma busca na internet com as palavras “mel, feridas, tratamento” certamente vai resultar numa infinidade de material publicado. Obviamente, a grande maioria sem o menor rigor científico que possa gerar credibilidade. Boa parte dessas publicações sequer informam qual a origem ou tipo de mel que está sendo utilizado.

Encontrei um trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte sobre “os efeitos do uso tópico do mel da abelha silvestre Melipona subnitida na evolução de feridas infectadas de pele“. Trata-se de um trabalho experimental em feridas provocadas em ratos. AMelipona subnitida, é uma abelha silvestre comum no nordeste Brasileiro.

Os autores concluíram que o uso tópico de mel de Melipona subnitida em feridas infectadas da pele de ratos estimulou a resposta imunológica, reduziu a infecção e o tempo de cicatrização. Mais detalhes desta publicação podem ser encontrados AQUI. A pesquisa foi publicada em 2008 e não temos conhecimento de desdobramentos práticos sobre o tema.

Não dispomos no Brasil, exceto em sites de importação, o mel de Manuka para uso medicinal e em feridas, muito embora tenha o seu uso efetivo em vários serviços especializados em alguns países. Convém salientar que o preço torna o produto inacessível para o padrão médio de nossos pacientes. Se quiser matar a curiosidade pesquise por Manuka Honey. Por outro lado, não se trata de uma solução indispensável. Trata-se apenas de uma ferramenta a mais que ganhou espaço no tratamento de determinadas feridas.

Dr. José Amorim de Andrade


Algumas ideias de leitura:

  • Livro: The healing hand: Man and wound in the ancien world – Guido Majno
  • Properties of honey: its mode of action and clinical outcomes – Jackie Stephen Haynes, Rosie Callaghan – Wounds UK, 2011, Vol 7, Nº 1
  • Antibacterial activity of Manuka honey and ist components: An overview – AIMS Microbiol. 2018; 4(4): 655–664.Published online 2018 Nov 27

Iodosorb

Durante muitos anos – eu diria, décadas – usamos produtos com Iodo para limpeza, assepsia e antissepsia da pele, muito embora sua utilização em cuidados com a saúde já era praticada desde o século XIX. Até então o iodo era considerado um dos mais eficazes antissépticos.

Nos centros cirúrgicos o álcool iodado e depois o Povidine – nas versões alcoólica e degermante – faziam parte da rotina de preparo das mãos da equipe cirúrgica e do campo operatório em muitos centros hospitalares. Era um problema quando pacientes informavam alergia ao Iodo em serviços que não dispunham de outras alternativas.

Se, por um lado, os iodados foram abandonados nos centro cirúrgicos – talvez ainda encontremos o Povidine Degermante em algumas unidades hospitalares – os compostos de iodo para uso tópico vem se impondo como alternativa contra a infecção no tratamento das feridas crônicas. Concentrações apropriadas contornam a toxicidade celular dos produtos convencionais.

Numa consulta à Wikipedia aprendemos que:

    • O iodo é um elemento químico essencial. Uma das funções conhecidas do iodo é como parte integrante dos hormônios tireoidianos. A glândula tireoide fabrica os hormônios tiroxina e tri-iodotironina, que contém iodo. A deficiência de iodo conduz ao Hipotireoidismo de que resultam o bócio e mixedema.
    • Deficiência de iodo na infância pode originar o cretinismo, ocasionando um retardo mental e físico.
    • O excesso de produção de hormônios na tireoide conduz ao hipertireoidismo.
Iodo
Fonte:https://www.infoescola.com/elementos-quimicos/iodo/

Controvérsias

Controvérsias em torno do POVIDINE existem. Trata-se da povidona-iodada reconhecida por seu amplo espectro de ação antimicrobiana. Entretanto, as soluções iodadas usadas em décadas passadas (tipo tinturas de iodo), além de eventos alérgicos locais e sistêmicos, também provocavam pigmentação na pele e indesejável toxicidade celular.

Nas apresentações atuais as concetrações de iodo livre a baixa e de liberação lenta, minimizando assim a toxicidade celular o os outros efeitos negativos para a cicatrização, sem perder seu poder antimicrobiano.

Na realidade, não fazemos uso rotineiro da POVIDINE e outros compostos iodados na formato líquido no tratamento das feridas crônicas; pessoalmente, no primeiro curativo de feridas intensamente infectadas, especialmente nos pés de pacientes diabéticos, lavamos exaustivamente as lesões com POVIDINE diluido em soro fisiológico(SF), seguido de abundante irrigação apens com o SF.

Iodosorb no tratamento das feridas crônicas infectadas
Bisnaga de IODOSORBTM de 10g

Nossa intensão neste post é comentar um pouco de nossa experiência com o IODOSORB da empresa Smith&Nephew.

Informamos que não temos qualquer conflito de interesse relacionado ao produto.

O Iodosorb é uma pomada composta por microesferas de amido – quimicamente, um cadexómero – acrescida de iodo a 0,9%.

Enquanto o composto de amido atua como um absorvente que vai agir no controle do exsudato, o iodo vai sendo gradualmente liberado para o ambiente da ferida e exercendo suas atividades bactericidas e bacteriostáticas.

Só utilizamos o Iodosorb em feridas que apresentam evidências de infecção.

Nossa experiência com esse produto tem sido muito positiva.

Nunca utilizamos mais do que uma bisnaga de 10g em uma única aplicação e descontinuamos o uso tão logo desapareçam as evidências de infecção.

A dificuldade de encontrar o produto nas farmácias convencionais e o preço são as limitações mais comuns enfrentadas pelos pacientes.

Como de costume, recomendamos a leitura cuidadosa das informações fornecidas pelo fabricante AQUI.

Finalmente, na situação pandêmica que estamos vivendo, as notícias assustadoras de superbactérias que nos ameaçam por sua resistência aos antibióticos até agora produzidos, não há ainda nada publicado que mostre resistência desses microorganismos aos compostos iodados nas concetrações apropriadas.

Adaptic

Trata-se de uma cobertura primária – curativo primário – não aderente, confeccionada com o intuito de proteger o leito das feridas. Há vários outros produtos com esse mesmo propósito.

Essa cobertura procura contemplar a ideia de que, não aderindo ao leito, temos:

  • Retirada não dolorosa por ocasião das trocas
  • Facilidade na remoção minimizando traumas ao leito
  • Proteção do leito contra desbridamento não seletivo
Adaptic
Apresentação comercial do Adaptic 7,6 x 7,6 (o menor tamanho)

O ADAPTICTM se apresenta no formato de malha fabricada desde o acetato de celulose e impregnada com uma emulsão de petrolato (que é um derivado do petróleo). A título de curiosidade, a vaselina é comercializada a partir de alguns processamentos do petrolato.

Não cabe aqui a enorme discussão em torno do uso do petrolato em cosmetologia. A temática envolvida nesta celeuma não faz sentido, nem se aplica, no que diz respeito ao seu uso no tratamento das feridas crônicas.

Esse tipo de cobertura primária, utilizada de forma apropriada, apresenta outras vantagens importantes no tratamento das feridas crônicas, entre elas:

Pode ser cortada para se adequar ao tamanho e ao formato das feridas
Facilidade de acomodação em qualquer topografia da superfície corporal
Permite a passagem do exsudato que será conduzido para o curativo absortivo secundário
Não impede a difusão de elementos químicos contidos nos curativos secundários para o leito das feridas (tais como produtos antimicrobianos)
Reduz a possibilidade de aderência do curativo secundário
Pode ser utilizado sob terapia compressiva (tipo bandagem de UNNA)
  • Imagem 1 e 2 – Aplicação de IodosorbTM após a colocação do Adaptic sobre as feridas; as malhas da cobertura permitem a “entrega” desse antimicrobiano para o leito da ferida.
  • Imagem 3 – Uma cobertura secundária de carvão ativado com prata (ActisorbTM) foi aplicada sobre o Adaptic em uma úlcera venosa com moderado exsudato e mau cheiro.
  • Nos dois casos acima foi aplicada bandagem compressiva de UNNA sobre essas coberturas.
  • Na figura 4 mostramos a facilidade com que essa cobertura se amolda ao formato da topografia, neste caso coto de amputação transmetatarseana.

Hanseníase (lepra) e mal perfurante plantar

A Organização Mundial da Saúde (OMS) através de seu Boletim Epidemiológico, informou em 2017 que 143 países e territórios informaram casos de hanseníase no ano de 2016.

Dos 214.783 casos novos informados, “o Brasil ocupou a segunda posição com 25.218 (11,7%)”; a Índia ocupa a primeira posição com 135.485 novos casos (63%). De 2014 a 2016 foram diagnosticados 140.578 casos novos de hanseníase no Brasil. Destes, 77.544 casos novos ocorreram no sexo masculino, ou seja, 55,2% do total. O maior número foi identificado nos indivíduos entre 50 a 59 anos. Tristemente, 92,6% dos casos notificados nas Américas ocorreram no Brasil.

Diz o Boletim Epidemiológico do Brasil de Janeiro 2020: A hanseníase é uma doença infecciosa, transmissível e
de caráter crônico, que ainda persiste como problema
de saúde pública no Brasil
. Seu agente etiológico é o
Mycobacterium leprae, um bacilo que afeta principalmente
os nervos periféricos, olhos e pele. A doença atinge pessoas
de qualquer sexo ou faixa etária, podendo apresentar
evolução lenta e progressiva e, quando não tratada, pode
causar deformidades e incapacidades físicas, muitas
vezes irreversíveis (BRASIL, 2016, 2017, 2019)
.

Tendo em vista as deficiências de registro e estatística dos sistemas de saúde no Brasil, o número de casos “não informados” deve ser bem elevado, mesmo fazendo parte da Lista Nacional de Notificação Compulsória. Portanto, corremos o risco de atingir o primeiro lugar, principalmente agora que os gastos com a saúde estão “congelados” pela Emenda Constitucional 95 de 15/12/2016.

Neste mesmo ano, 2016, ocorreram 5.341 internações notificadas em decorrência das complicações da doença, “que corresponde a um custo evitável aos fundos de saúde”.

Entre as complicações da hanseníase, as neurológicas ocupam especial destaque. E a perda da sensibilidade plantar – semelhante ao que acontece com diabéticos – resulta na formação de calosidades que evoluem para ulcerações crônicas com risco de amputações. Ao não sentir dor o portador desse tipo de neuropatia não se dá conta dos microtraumas repetitivos que afetam os pés. As deformidades estruturais vão criando pontos de pressão que entram em conflito com calçados inapropriados e até mesmo com o simples ato de caminhar. Basicamente o mesmo fenômeno que pode afetar os pés de pacientes diabéticos.

A dádiva da dor – de Philip Yancey e Paul Brand

Nesse contexto conseguimos entender o que o Dr. Paul Wilson Brand quis dizer quando afirmou que “A dor é o maior presente de Deus para a humanidade” em seu livro A dádiva da dor. Sem a dor o pé neuropático perde sua maior proteção1. Percebendo a relação entre o trauma repetitivo pela pressão exercida pelo peso corporal sobre o pé que perdeu a sensibilidade protetora, o Dr. Brand e cols. foi um dos pioneiros no uso de dispositivos de contato total (TCC – Total Contact Cast).

Relato de caso

Eliminar ou reduzir a pressão sobre a úlcera é a condição indispensável para o sucesso do tratamento nesses casos.

A eliminação da carga ou pressão (offloading) pode ser obtida de diferentes maneiras: repouso absoluto no leito, uso de muletas, cadeiras de rodas, andadores, dispositivos de contato total nas suas mais diferentes apresentações, calçados e palmilhas customizadas, etc. Na realidade, para além do desafio de fechar a ferida, está o de criar as condições para que ela não recidive. Leia mais sobre isso AQUI e AQUI


Mostramos a seguir um caso de mal perfurante plantar neuropático em paciente com passado e sequelas de hanseníase.

Hansen-mal perfurante

Homem com 77 anos, NÃO diabético, portador de polineuropatia sensitivo-motora secundário a hanseníase.

Além da ferida mostrada na figura 1, base do hálux esquerdo, evoluia também com lesões em outros pontos de pressão exercidos por calçados inapropriados.

Após cuidadoso desbridamento da hiperqueratose iniciamos curativo com cobertura de hidrocoloide para troca a cada três dias e sandália de Baruk até a confecção da palmilha customizada.

Aspecto da ferida após uso da palmilha customizada para a topografia da ferida.
Palmilha customizada a partir de sandália havaiana e “implantada” em calçado do paciente., onde se percebe o exato local do alívio (offload) do ponto de pressão
Ferida cicatrizada em menos de um mês de uso da palmilha.

Para quem deseja conhecer mais detalhes do procedimento sugiro a leitura de:

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 1

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 2

Mais leituras sobre o assunto:
  1. Trautman JR, Kirchheimer WF, Prabhakaran K, Hastings RC, Shannon EJ, Jacobson RR, Brand PW; Acta Leprol. 1981 Jul-Sep; (84):1-29
  2. The effect of callus removal on dynamic plantar foot pressures in diabetic patients.Young MJ, Cavanagh PR, Thomas G, Johnson MM, Murray H, Boulton AJ; Diabet Med. 1992 Jan-Feb; 9(1):55-7.
  3. Use of pressure offloading devices in diabetic foot ulcers: do we practice what we preach? Wu SC, Jensen JL, Weber AK, Robinson DE, Armstrong DG; Diabetes Care. 2008 Nov; 31(11):2118-9.
  4. Off-loading the diabetic foot for ulcer prevention and healing.Cavanagh PR, Bus SA; Plast Reconstr Surg. 2011 Jan; 127 Suppl 1():248S-256S.

Palmilha customizada para úlcera neuropática – caso 1

Homem de 48 anos, diabético transplantado, renal. Antecedente de amputação do 4º e 5º podos do pé direito e expressiva deformação do arcabouço esquelético desse pé e evoluindo com ulceração plantar – figura 1 – há uma no e oito meses.

Inicio do uso da palmilha confeccionada em 04/2018 adaptada em sua sandália tipo havaiana – figura 2 – com várias adaptações sequenciais em decorrência das deformidades. Obteve cicatrização completa em 02/2019.

Caso difícil em decorrência das deformidades e com bom resultado final.

Para melhor conhecimento sobre a confecção customizada de palmilhas para feridas do pé neuropático a partir das sandálias estilo havaiana de baixo custo veja os links abaixo:

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 1

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 2

Protetores da pele

A pele do entorno das feridas deve ser permanentemente monitorada pelo profissional assistente. Os elementos secretados pela ferida, quando não controlados, podem provocar severos danos ao seu entorno, com risco de infecção e, até mesmo, expansão da lesão.

Muito embora comumente denominados “cremes de barreira” cuja função básica é a proteção da pele, esses protetores podem ser encontrados também em formato gel, pastas, óleo, esmalte, etc.

Sabemos que a pele, ela mesma, com seus 2m2 de área total e que envolve todo o nosso organismo é a principal barreira protetora do nosso corpo. Entretanto há circunstâncias em que ela, a pele, precisa de uma proteção extra contra diversos agentes que a agridem. No que diz respeito ao tratamento das feridas entendemos que diferentes agentes agressores são produzidos pela própria ferida. Outros, em situações específicas, estão presentes no que eliminamos com as fezes e a urina e que representam um desafio para os cuidados com as lesões por pressão na topografia da pélvis e quadril.

Neste post vamos permanecer focados na tarefa de proteger a pele situada na fronteira do leito das feridas.

A maceração da pele do entorno das feridas crônicas costuma ser o resultado decorrente do contato prolongado com o exsudato por elas produzido. Quanto maior a quantidade desse exsudato não controlado, maior a possibilidade de danos à pele do entorno, risco de infecção e até mesmo de expansão da área ulcerada. A escolha do curativo apropriado com capacidade absortiva é fundamental. Consideremos que uma cobertura saturada de exsudato por tempo prolongado provocará danos desastrosos. A pandemia de COVID-19 que dificulta a frequência do acompanhamento ambulatorial para as trocas dos curativos nos impõe maior atenção com os danos do exsudato.

Várias são as formulações encontradas nos produtos disponíveis para a proteção da pele. O óxido de zinco é o elemento mais frequentemente encontrado. Não é sem razão o componente que impregna a tradicional bandagem de UNNA. Na realidade, e como regra geral, os produtos comercializados apresentam uma associação de duas ou mais dessas substâncias: dimeticona, petrolato, óxido de zinco, mentol, glicerina, óleos minerais, lanolina, silicone.


Damos a seguir uma descrição sucinta dos três principais elementos que, em conjunto ou isoladamente, compõem os mais conhecidos produtos comercializados no mercado brasileiro:


  • Produtos com os quais já tivemos alguma experiência:
    • Dermamon® Creme Barreira – ( Oxido de zinco + outros ingredientes)
    • 3M™ Cavilon™ Creme de barreira – (Dimeticona + outros ingredientes)
    • Calmoseptine® Ointment – www.calmoseptine.com – (Oxido de zinco + outros ingredientes)
    • Creme Barreira Comfeel® – (Petrolato, ciclometicona + outros ingredientes)
    • Skin Sake Surface Protectant – (Dimeticona, petrolato + outros ingredientes)

Hidrogel em feridas

Hidrogel é um composto constituído de algo em torno de 95% de água. Portanto, se alguém perguntar qual o ingrediente básico do hidrogel, a reposta é AGUA!
O hidrogel é formado por uma rede de cadeias poliméricas altamente hidrofílicas. São redes complexas de polímeros entrecruzados com grande capacidade de “aprisionar água”(Figura acima).

No tratamento de feridas são utilizados com o objetivo de manter a umidade desejada, dentro dos princípios de preparação do leito.

Ajudam a promover a granulação, facilita o desbridamento autolítico, permitindo assim a evolução da epitelização.

Podem ser utilizados para preenchimento de espaços mortos e pequenas cavidades.

Os hidrogéis são encontrados em vários formatos: gazes impregnadas, gel amorfo (o mais comum em nosso serviço), placas e/ou lâminas. Verificamos que o hidrogel amorfo apresenta viscosidade variável de conformidade com o fabricante.

Excetuando as feridas com exsudato abundante, os hidrogéis podem ser criteriosamente utilizados em feridas de diferentes etiologias.

É muito apropriada a sua aplicação em feridas secas, especialmente as decorrentes de comprometimento isquêmico com perfusão deficiente.

Servem também para facilitar o amolecimento e a remoção de escaras, crostas e resíduos de tecidos desvitalizados.

A aplicação dos hidrogéis sobre a ferida deve ser bem criteriosa. O excesso pode, junto com o exsudato, transbordar para a pele íntegra do entorno; se julgar necessário, convém proteger esse entorno com cremes de barreira ou selantes para pele. Comentamos anteriormente que deve ser evitado em feridas muito exsudativas, apesar dos apelos mercadológicos.

A sua utilização sempre exige uma cobertura secundária: gazes, hidrocoloide, alginato, carvão, bandagens, filmes, etc.

É importante referir que hidrogel pode ser aplicado sob terapia compressiva. A compressão de hidrogel em formato de lâmina ou placa não libera água para a ferida.

Dependendo da situação, o tempo de permanência ou troca deve ser avaliado; regra geral, no formato amorfo deve ser trocado até diariamente ou pode permanecer até 7 dias quando associado a outras coberturas, em nossa experiência.

Exemplos de produtos baseados em HIDROGEL

Coberturas de espuma

Curativos ou coberturas baseadas em espuma – habitualmente de poliuretano e suas variações combinadas com outros materiais- são de muita utilidade quando necessitamos controlar as secreções das feridas (exsudato). Este é o objetivo buscado quando se escolhe esse tipo de cobertura. Certamente a capacidade de absorção varia de acordo com a espessura, a composição e outras tecnologias empregadas no seu processo de fabricação. A superfície externa da cobertura costuma ser de material hidrofóbico ou à prova de água diminuindo assim a possibilidade de contaminação proveniente do ambiente.

Em geral apresentam face de contato não aderente, são macias, muito fáceis de aplicar e remover e se adaptam muito bem aos formatos das feridas e às mais diversas topografias.

São fabricadas em placas parecidas com almofadas, em tiras e também customizadas em variados formatos para curativos em ostomias.

Aplicações:
  • feridas com exsudado leve a intenso – cuidar para que a quantidade de exsudato não exceda a capacidade de absorção
  • Manter ambiente de umidade (meio úmido)
  • proteger a ferida e seu entorno contra traumatismos  e minimizar “invasões” do ambiente externo
  • Alguns formatos podem ser cortados, o que permite sua aplicação em localizações anatômicas diversas e customiza-las ao formato da ferida
  • Aplicável, com a devida cautela, sob terapia compressiva. A compressão pode interferir na capacidade de absorção da cobertura, o que pode exigir maior frequência de trocas
Cuidados:
  • Quando saturadas essas coberturas podem macerar a pele do entorno. Nesses casos diminuir o intervalo de trocas para evitar a saturação ( ver exemplo das Figuras 1 e 2)
  • Não aplicar em feridas infectadas. Nesse caso avaliar a possibilidade de utilizar espumas impregnadas com prata ou outro antibacteriano
  • Convém não utilizar em feridas cobertas por escara ou feridas secas

As considerações que faremos a seguir se aplicam a praticamente todos os produtos com essa característica, muito embora nossa experiência maior é com o BIATAIN NÃO ADESIVO da empresa Coloplast (com a qual não temos absolutamente nenhum conflito de interesses).

Úlcera venosa

Esta é uma excelente localização para aplicação das coberturas de espuma. Trata-se de úlcera de etiologia veno-linfática na face maleolar medial da perna esquerda, exatamente sobre o maléolo. Paciente sob terapia compressiva com bandagens de UNNA. Exsudato moderado e fazendo trocas a cada sete dias.

Biatain® não aderente 10x10cm

Após limpeza da ferida e de seu entorno com soro fisiológico 0,9%, a placa de Biatain não aderente é colocada sobre a região. A cobertura se amolda com muita facilidade a essa topografia. Além de sua função primordial de controle do exsudato e manutenção de meio úmido serve também para diminuir o atrito ou fricção da bandagem inelástica sobre a proeminência do maléolo medial. Os bordos biselados da cobertura minimiza trauma cutâneo sob a terapia compressiva.

  • Algumas apresentações trazem um bordo adesivo. Evitamos usar este modelo sob terapia compressiva porque, em nossa experiência, o bordo adesivo provocou danos à pele. Muito apropriados quando usados isoladamente.
  • As apresentações providas de uma camada de filme na face externa diminuem a taxa de evaporação do exsudato e de outros elementos gasosos.
  • As coberturas de espuma tanto podem ser utilizadas como curativo primário ou como secundário em associação com outros tipos de curativos, tais como alginatos, hidrofibras e hidrogel.
  • A associação com alginato pode ser aplicada para otimizar a absorção e evitar a saturação. Obviamente é preciso sempre ter em mente o custo-benefício dessas associações para o paciente.

Uso de espuma para proteção em terapia compressiva

Em algumas situações as coberturas de espuma podem ser utilizadas para proteger regiões de pele sadia ou friável – porém ser ferida ativa – que podem ser afetadas pela compressão das bandagens – especialmente as inelásticas tipo UNNA. Nesse caso essa proteção pode ser improvisada com os vários produtos de espuma disponíveis no mercado, tal como mostrado no exemplo abaixo. Temos uma experiência muito interessante com as bandagens de latex Komprex® Foam Rubber Bandages que podem ser cortadas a adaptadas de acordo com a necessidade.

É uma alternativa “off-label” se usarmos curativos fabricados para utilização em feridas ativas.

Imagem mostra o terço distal da perna e a prega de flexão do pé esquerdo de paciente em terapia compressiva sob bandagem de UNNA com troca semanal.

Está em fase final de cicatrização de úlcera maleolar medial coberta com malha não aderente (Adaptic 7,5×7,5cm). O edema está controlado com uma pressão da bandagem em torno de 40mmHg (medida com Picopress®).

Proteção da topografia por onde transita o proeminente tendão do Músculo Tibial Anterior que trabalha na dorso flexão do pé.

O atrito e fricção da bandagem inelástica de UNNA nessa região frequentemente pode provocar danos à pele. Proteger com espuma pode prevenir evento dessa natureza. Especialmente em pacientes muito ativos e impossibilitados de fazer o repouso. Nestes casos pode-se improvisar diferentes produtos de espuma disponíveis e que não precisam necessariamente ser estéreis, pois são colocados sobre pele sã.

Aplicação da bandagem de UNNA sobre a proteção de espuma customizada para proteção da região de flexão do pé.

A aplicação da espuma reduz a pressão da bandagem na região desejada.

Produtos com os quais tivemos alguma experiência:

Biatain® Ag Não Adesivo - Coloplast
Mepilex® Ag
3M™ Tegaderm™ High Performance Foam Non-Adhesive
CASEX Cell Foam
Curativo Curatec® Espuma de Poliuretano
Indicação de leituras:
1, Chronic Wound Care - A clinical source book for healthcare professionals - 4th Edition - Diane L. Krasner
2. Acute & Chronic Wounds - Current Management Concepts - 3th Edition - Ruth A. Bryant

Curativos antibacterianos ou antimicrobianos

Na literatura sobre o tema diz-se que ” curativos antibacterianos ou antimicrobianos são aqueles produtos ou coberturas que alteram a carga biológica do leito das feridas”.

Para efetivamente produzirem algum impacto na eliminação ou redução da população microbiana do leito das feridas, sem provocar danos locais, esses curativos precisam possuir algumas características, a saber:

Ferida infectada – antes

Ferida infectada – depois de curativo com SILVERCEL™ Antimicrobial Alginate Dressing
  • Amplo espectro de ação, com atividade antimicrobiana rápida e sustentável;
  • Convenientemente bactericida e não apenas bacteriostático;
  • Atóxicos, não alergênicos e compatíveis com a pele comprometida do entorno das feridas;
  • Sua ação não pode ser neutralizada pelo exsudato:
  • Capacidade de reduzir o mal odor proveniente dos tecidos infectados

Além de tudo – e isso se aplica a todos os produtos – sejam de fácil acesso e apresente um custo benefício que permita sua indicação e aquisição pela maioria dos que deles necessitam.

Variadas apresentações estão disponíveis no mercado. O elemento de “entrega” do antimicrobiano pode ser cobertura de espuma, gazes impregnadas, filmes, coberturas não aderentes, hidrogéis, alginatos, hidrofibras ou combinações de vários materiais. A finalidade é fazer com esses materiais liberem o agente antimicrobiano para a intimidade da ferida através do ambiente úmido, em concentrações eficazes e de forma sustentável num período apropriado de tempo.

Os agentes antimicrobianos mais comumente empregados são os compostos de prata, iodo ou polihexametilbiguanida (PHMB). A prata pode estar presentes em apresentações de espuma, hidrocoloide, cremes de barreira, carvão ativado, etc.

Principais aplicações: 

  • Podem ser usados como curativos primários ou secundários em situações em que o controle da infecção é determinante para a cicatrização;
  • Feridas agudas ou crônicas infectadas; aí podem ser incluídas queimaduras, incisões cirúrgicas, pé diabético, feridas por pressão, úlceras venosas e outras.
  • Em alguns formatos podem ser bastante úteis quando sob terapia compressiva, tipo bandagem de UNNA.

Contraindicações – pacientes alérgicos a qualquer um desses componentes.

Observação pertinente: levar em consideração as informações fornecidas por cada fabricante e se familiarizar com as possibilidades, indicações e características de cada produto.


Abaixo uma listagem dos produtos que podem ser encontrados e adquiridos – com as dificuldades de sempre – no mercado nacional.

AQUACEL® Ag – ConvaTec

ACTISORB™ Plus – 3M+KCI

Biatain® Ag Non-Adhesive Foam – Coloplast Corp.

IODOSORB* 0.9% Cadexomer Iodine – Smith+Nephew, Inc.

SILVERCEL™ Antimicrobial Alginate – 3M+KCI

Palmilhas artesanais para mal perfurante – Módulo 2

Neste módulo desenvolvo de forma sucinta um passo a passo da confecção das palmilhas e sua adaptação ao calçado sugerido para cada paciente.

Tendo em vista a infinita formatação anatômica do pé de cada paciente, com a concomitância de eventuais deformidades, torna-se praticamente impossível a produção dessa alternativa em escala industrial.